Guest blog by Rita Marquilhas
In this guest blog, Rita Marquilhas of the University of Lisbon, Portugal, discusses challenges in producing multilingual academic research websites.
Fruto da minha recente experiência na coordenação de um projeto de humanidades digitais, o P.S. Post Scriptum, e entrando no registo que o strand 'Digital Mediations' nos pede que adotemos para contribuir para o seu blog, vou abordar a questão dos sites académicos multilingues. O meu objetivo não é o de apresentar receitas nem soluções, é apenas o de testemunhar sobre os vários níveis em que foi preciso tomar decisões para que uma edição académica digital como a do Post Scriptum fosse acessível a leitores de português e espanhol (que serão teoricamente, com mais ou menos dificuldade, sempre leitores bilingues), mantendo-se também parcialmente acessível a leitores de inglês.
Os materiais editados pelo Post Scriptum são cartas privadas dos séculos XVI a inícios do XIX escritas ora em espanhol ora em português e largamente contextualizáveis por provirem quase todas elas de processos judiciais. Quisemos editá-las de forma a que o nosso resultado digital fosse ao mesmo tempo um dicionário, uma gramática histórica, uma edição de fontes históricas tematicamente pesquisáveis, e, por último mas não menos importante, um longo 'romance' polifónico, em que pusemos muitas histórias de gente vulgar ao alcance do público leigo em vez de fechada nos arquivos, no interior de papelada inacessível com 200, 300 400 e 500 anos de idade.
Como em todas as plataformas online, sejam elas de trabalhos de humanidades ou não, pôs-se desde o início o problema da escolha do que se traduziria incontornavelmente para inglês. Olhando retrospetivamente para todo o processo, e arriscando-me a sublinhar apenas o óbvio, diria que houve i) razões de pragmática linguística, ii) razões ético-científicas e iii) razões culturais por detrás das nossas decisões.
i. nível pragmático-linguístico (a questão da delicadeza online tal como ela aflora nos menus): em termos de delicadeza mínima, no site do Post Scriptum como na maioria dos sites académicos, como sinal de que não se quer excluir nenhum visitante, mormente os financiadores que veiculam os projetos e que são por sistema aconselhados por júris internacionais, os menus da interface aparecem nas línguas das fontes (no caso do Post Scriptum, o português e o espanhol) e também em inglês.
ii. nível ético-científico (a questão da replicabilidade das experiências): as humanidades digitais, aproximando-se em termos de replicabilidade do paradigma das ciências naturais, trouxeram essa contribuição para o enriquecimento das humanidades tradicionais, cujas operações de interpretação só eram plenamente replicáveis, e portanto controláveis, na condição improvável de um segundo académico viver totalmente os mesmos eventos do primeiro ao longo dos seus anos de busca e de reflexão. Para garantir a replicabilidade, um projeto como o Post Scriptum não só tratou de tornar acessíveis todos os seus dados em formato TXT como traduziu para inglês a terminologia de busca e os Manuais (um deles ainda a ser finalizado). Na codificação do texto em etiquetas XML, apenas se usou o inglês.
iii. nível cultural (a questão da abertura à sociedade civil): a difícil exequibilidade da tradução humana de uma coleção de textos que soma dois milhões de palavras (o caso do Post Scriptum) levou a que se fizesse apenas a tradução humana para inglês dos sumários dos conteúdos, ao mesmo tempo que se procedia à montagem de um sistema que viabilizasse a tradução automática por conta do visitante, à custa da plena estandardização da ortografia e da inserção de pontuação num dos níveis de edição das fontes.
Não sei se se é
aconselhável ir muito mais longe em edições digitais semelhantes. Em termos de
ecologia linguística, i.e., defesa da diversidade de línguas no mundo, a
responsabilidade das humanidades digitais será a de saber quando travar a
aceleração das traduções integrais de conteúdos para uma língua franca, por
mais fácil que esse processo se torne?